A resiliência urbana foi posta em cheque com a chegada da pandemia de forma acelerada e drástica nas cidades. A limitação de deslocamentos, contatos e acesso aos espaços públicos foi a estratégia mais eficaz de contenção do vírus. Mas a estrutura da cidade, somada à falta de políticas públicas emergenciais, revelou-se nada resiliente quando grande parcela da população teve que continuar percorrendo longos trajetos em transporte público para trabalhar em serviços essenciais, e também quando a saúde mental e física da população foi afetada pela falta de acesso a locais que possibilitassem a prática de exercício físico em segurança, evidenciando a precariedade de oferta desses espaços na cidade.
A partir disso, as organizações SampaPé! e Metrópole 1:1 buscaram compreender como a situação da pandemia impactou as mudanças de uso dos espaços públicos, as sensações e experiências, as reflexões e os desejos de mudança, tanto na cidade quanto de hábitos. De forma que os resultados ajudem a traçar políticas públicas para uma cidade melhor.
A pesquisa Acesso aos Espaços Públicos na Pandemia foi realizada em duas fases durante a pandemia, maio e outubro de 2020, para saber como as pessoas estavam vivenciando os espaços em um momento mais restritivo e menos restritivo do plano municipal, respectivamente, refletindo sobre a vida urbana e se re-apropriando da cidade. Os resultados indicaram três grandes temas em foco para a transformação da cidade nos próximos anos, tendo em comum a demanda por proximidade, acesso e conexões.
Verde perto!
O desejo de estar próximo à natureza foi um fator recorrente na pesquisa, sendo as alternativas que abordavam sobre a arborização e espaços verdes, as mais escolhidas. Ao abordar as sensações e experiências nos espaços públicos que as pessoas mais sentiam falta, por exemplo, 80% disseram desejar muito “ver e sentir a natureza”. O aumento da arborização das ruas foi indicado como maior desejo das pessoas de melhoria dos espaços públicos na cidade, por cerca de 84% das pessoas. Isso mostra o desejo de contato com a natureza facilitado, para todas as pessoas, em seus trajetos cotidianos e gerando conforto para caminhar.
Além disso, o desejo de mais e melhores praças foi indicado por grande parte das pessoas, cerca de 74%, sendo a segunda melhoria mais desejada, e ainda 43% indicaram a intenção de “ajudar a cuidar dos espaços de uso comum, como praças e parques”.
Bruna Sato, co-fundadora do Metrópole 1:1 comentou como "a pesquisa nos indicou que o desejo de vivenciar, estar e auxiliar na manutenção de espaços verdes existe, portanto, é preciso facilitar os processos participativos para as pessoas se sintam convidadas a agirem diretamente nos espaços da cidade e se sentirem pertencentes a eles. Além disso, é preciso rever a distribuição dos espaços urbanos, para que possamos reverter mais espaços cinzas em espaços verdes e mais árvores onde há carros".
Cidade 15 minutos
Além de áreas verdes e natureza mais perto, as pessoas também querem poder ter mais acesso nos seus próprios bairros a distâncias facilmente percorridas a pé. Sobre novos hábitos nos espaços públicos pós pandemia, 54% disseram que darão preferência a “caminhar pelo meu bairro, sem ir muito distante” e 35% afirmaram que irão utilizar mais o comércio do bairro.
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Para que isso aconteça é preciso criar estratégias para que a maior parte dos serviços e equipamentos estejam a até 15 minutos a pé ou pedalando de todas as pessoas na cidade. Segundo a presidente do SampaPé!, Leticia Sabino, "essa estratégia já está sendo tendência em várias cidades do mundo, com destaque em Buenos Aires e Paris, que estão criando mais espaço para deslocamentos ativos, usando as ruas para feiras, criação de praças, entre outras funções". Ela ainda complementa que "em São Paulo é preciso criar mais habitação social e de baixa renda em áreas que concentram equipamentos, como os bairros nobres do centro expandido, de forma rápida".
Mais amor, menos motor!
Ainda, seguindo o conceito sobre as cidades 15 minutos, além de acessar mais equipamentos, serviços e produtos perto, as pessoas passaram a refletir sobre as externalidades negativas de uma cidade que gera deslocamentos tão longos feitos por veículos motorizados, e até mesmo os curtos, para o ar que respiram. Dessa forma, infraestrutura para mobilidade ativa também é um dos grandes desejos para a cidade, assim como o aumento do hábito de se deslocar ativamente. A ampliação das calçadas foi indicado por 64% como melhoria que gostariam de ver na cidade no durante e pós pandemia e a criação de mais calçadões e manutenção dos existentes por 62%.
Sobre hábitos mesmo após a pandemia para evitar aglomerações, 39% das pessoas indicaram que pretendem evitar os transportes públicos para se locomover o máximo a pé e de bicicleta. Desejo que para ser concretizado depende de políticas públicas de estrutura e de proximidade de equipamentos.
O futuro da cidade
Os dados obtidos na pesquisa devem apoiar a construção de políticas públicas para que essas tendências se tornem realidade, caso contrário, a qualidade de vida deve cair e as tensões serão aumentadas. Os espaços públicos se revelaram como os espaços mais importantes de serem geridos e bem configurados para criar cidades mais seguras e saudáveis na pandemia e no pós-pandemia.
Consulte o relatório completo da Etapa 1 e da Etapa 2.
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